sábado, 5 de setembro de 2009

Miscigenação muda cores, mas mantém traços


Mensagem recebida do associado Rafael de Castro Baker Botelho, de São Paulo-capital, que repassamos por crer se de interesse.



Livro mostra que miscigenação muda cores,
mas mantém traços


Trabalho de 15 anos da fotógrafa Fifi Tong retrata como feições de pessoas da mesma família são mantidas em várias gerações apesar das misturas étnicas

James Cimino - Jornal Folha de São Paulo, 30 de agosto de 2009.


A capa do livro "Origem - Retratos de Família no Brasil", lançado em 29 de agosto no Memorial do Imigrante pela fotógrafa Fifi Tong, poderia ser considerada uma releitura do quadro "A Redenção de Cã", do pintor Modesto Brocos.

Assim como naquele óleo sobre tela de 1895, exposto no Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, a foto da família Cruz mostra como a cor da pele se modifica através do tempo. Um aspecto, no entanto, se preserva a cada geração: as feições ou, nas palavras da fotógrafa, "o poder do sangue, a força da genética se mostrando nos traços, um modo de ser se perpetuando no tempo".

No caso dos Cruz, a origem genética vem de uma das misturas que ocorrem aqui desde o Brasil Colônia. O patriarca Joaquim Bento da Cruz, um cafuzo (mistura de negro com índio), casou-se com uma mulher negra e gerou Ozírio, que por sua vez se casou com uma mulher "clara, do cabelo "ruim'", como ele mesmo define.

Da união nasceu Lincoln: branco com sardas e o nariz semi-achatado do pai. Por fim, Lincoln casou-se com uma loira de olhos azuis. Juntos geraram Luana, que mistura o formato dos olhos do pai com a cor dos olhos da mãe, além de ter herdado do avô o nariz e os cabelos cacheados.

Orgulhoso da prole de seis filhos, Ozírio Bento da Cruz, 69, tenente aposentado da PM, ainda criou os dois filhos da segunda mulher, ambos loiros, como seus. "Vejo o Agnaldo Timóteo criticando negros que se casam com mulheres brancas, mas eu fui educado a não ver a cor das pessoas. Para mim, o que importa é o nível educacional da pessoa. Escolher alguém pela cor, seja qual ela for, isso sim eu considero racismo."
Além da família Cruz, o livro da fotógrafa descendente de chineses, nascida no Rio Grande do Sul e que hoje reside em São Paulo, tem mais 49 retratos de famílias com as mais variadas origens: índios, africanos, italianos, japoneses, gregos, romenos, judeus, espanhóis, italianos, indianos, russos, baianos, mineiros, paulistas, maranhenses, gaúchos e outros.

A ideia do livro surgiu há 15 anos, quando Fifi Tong revirava um baú de sua avó. Nele, havia vários vestidos típicos da China. Ela resolveu, então, fazer uma foto de família. "Uma tradição perdida", diz. "Quando revelei o filme, pensei em fazer um livro só com gerações de mulheres, mas conheci pais e filhos muito semelhantes e abri o projeto. Veja essa foto [família Pires, pág. 23 do livro]: É mesma pessoa em versão masculina e feminina. E não teve Photoshop. Quis mostrar os traços do tempo."

Algumas imagens são bastante curiosas. A da família Vormittag, de origem romena, parece uma gradação, retratada em quatro mulheres, de um mesmo rosto. Às vezes se preserva apenas um queixo, como na família Jesus, uma boca (família Lot de Abreu) ou rostos inteiros alternados a cada duas gerações (família Cabral).

No retrato da família Shikasho, de origem japonesa, uma característica muda: o olho puxado do patriarca Hiroshi fica amendoado no filho Helson, graças a sua mãe descendente de espanhóis. Helson, que quando deu entrevista ainda não tinha visto o livro, diz que sua família mostra como os traços vão e voltam. Casado com uma nissei, seu filho tem os olhos mais puxados que os dele. "Retornei às origens", observa.

Navio negreiro

As fotos do livro são acompanhadas de pequenas narrativas, algumas emocionantes, feitas por um dos membros de cada família. Uma delas, a do congolês Tuzizila Kimbunde Alphonse, remete aos navios negreiros, que no período colonial traziam para cá os escravos.

Fugindo de perseguições políticas em seu país de origem, chegou ao Brasil por acidente. Clandestinamente, embarcou em um navio, em Angola, pensando que chegaria à Espanha. Após trinta dias de escuridão e privações no porão do cargueiro, barbudo e sujo, desembarcou em Salvador.

Acabou pedindo esmola nas ruas da capital baiana, onde conheceu sua mulher, uma turista carioca, que lhe deu seu número de telefone e que recomendou que ele fosse para São Paulo. Hoje vivem em Jandira. Ele trabalha como inspetor de uma escola no Morumbi, onde a filha estuda. Leva duas horas para chegar em casa todo dia. "Minha filha dorme no chão do trem, entre minhas pernas, porque ninguém dá lugar. Às vezes não sei se meu sorriso é de alegria ou de tristeza."

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