Separados por uma tradição
Joice Bacelo
| joice.bacelo@zerohora.com.br
Em Solidez, no
interior de Canguçu, negros e brancos convivem sem se misturar.
A miscigenação é
recente, tem menos de cinco anos, e não existe um adulto que seja cria dessa
mistura de raças.
Quem é negro é
descendente de quilombola. Quem é branco tem origem germânica. Do contraste da
cor da pele segue um histórico de costumes que ainda se divide em dois grupos.
Pouco mais de um quilômetro separa as duas igrejas luteranas da comunidade. O
pastor (da IELB) é o mesmo, o que mudam são os fiéis. Em uma igreja, o culto é
apenas para os negros, e a outra é frequentada somente por brancos. Resquício de
uma rixa da década de 1920, quando os primeiros imigrantes começavam a chegar às
terras do primeiro distrito de Canguçu.
Na casa de Getúlio e Santa Aura de Souza, ambos
de 89 anos, come-se cuca e a música preferida é a tocada pelas bandas
tipicamente alemãs. Fotos: Nauro Júnior.
Em Solidez, os grupos
se enlaçam pela cultura alemã. A Escola Santo Ângelo reúne alunos brancos e
negros, oferece aulas de danças típicas e, na última edição do Festival
Estudantil da Cultura Alemã de Canguçu, levou a premiação máxima: canto solo e
em grupo, na língua dos imigrantes, e dança típica com integrantes negros e
brancos.
Hugo e Hilda Bull, 78 e 79 anos, filhos de
imigrantes, possuem os mesmos hábitos do casal anterior, mas as igrejas
frequentadas são diferentes
Registros históricos
da localidade confirmam que foi a partir de um confronto corporal que os
germânicos decidiram impedir a entrada dos negros na igreja. Após o episódio, o
pastor da época visitou cada uma das famílias remanescentes de quilombolas para
propor a construção de uma igreja própria. O que surgiu de uma rixa virou
tradição, mantida de 1927 até hoje.
Como extensão das
igrejas, apareceram os cemitérios. A comunidade construída pelos negros tem
dois: um exclusivo para negros, e outro para quem não frequenta a comunidade dos
descendentes de imigrantes. Já no cemitério dos germânicos são enterrados apenas
familiares do grupo. Uma relação tratada pelas cerca de 200 famílias da
localidade como característica do lugar, não como princípio de racismo ou
preconceito
Na casa de Getúlio e Santa Aura de Souza, ambos de 89 anos,
come-se cuca à tarde, não falta batata no cardápio e a música preferida é a
tocada pelas bandas que se inspiram na cultura alemã. Eles têm os mesmos hábitos
da família de Hugo e Hilda Bull, 78 e 79 anos, filhos de imigrantes.
Pomeranos e
quilombolas vivenciaram servidão
Doutor em educação
pela Universidade do Vale dos Sinos, Carmo Thum realiza estudos sobre a mistura
de culturas há mais de 10 anos. Ele explica que a localidade é habitada, em sua
maioria, por descendentes de pomeranos – pessoas vindas da Pomerânia, na costa
do Mar Báltico, entre a Alemanha e a Polônia, que foi devastada durante a II
Guerra Mundial.
Historicamente,
frisa, não há registro de preconceito entre negros e pomeranos.
Ao contrário,
descendentes de quilombolas e de pomeranos vivenciaram uma situação de
servidão:
– A cultura pomerana
foi silenciada pela dos alemães.
Colaboração Nélio J. Schmidt
Porto Alegre, RS
Porto Alegre, RS